Relatório técnico – 53ª ASPEN

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Categoria: Notícias, Webinar

Aurélio Lamare Soares Murta

ABERTURA

A 53ª edição da ASPEN, Assembleia Permanente pela Eficiência Nacional, realização do Instituto Besc, aconteceu no dia 12 de dezembro de 2023, em Angra dos Reis, onde estão as usinas nucleares do Brasil. Na ocasião, tivemos oportunidade de realizar visita técnica, explorando o interior dessas instalações e conhecendo os desenvolvimentos que vêm sendo realizados no país há décadas, motivo de orgulho nacional. Após essa visita, nossa percepção sobre a relevância da energia nuclear e sua contribuição para a matriz energética nacional se transformou significativamente. É notório que apenas o estado do Rio de Janeiro, que se destaca nesse contexto, tem cerca de 40% de seu consumo atendido por essa fonte energética, ressaltando sua importância para o Brasil. Contudo, enfrentamos o desafio da usina de Angra 3, cuja construção está paralisada.

É imperativo que o Brasil reconheça a necessidade de dar continuidade a este projeto, que já consumiu inúmeros recursos financeiros. Não podemos permitir que tal investimento se perca, nem negligenciar esta fonte de energia limpa, e utilizada mundialmente. O Brasil, detentor dessa tecnologia, deve valorizar sua posição. Portanto, o tema central do debate é a importância da energia nuclear, um pilar do nosso sistema elétrico interligado nacional, essencial para o desenvolvimento do país. Contamos com a presença de especialistas no assunto, que nos proporcionarão um entendimento técnico e aprofundado sobre a relevância da energia nuclear para o Brasil. A mediação do evento está a cargo de Gustavo Mardegan, do Departamento de Relações Públicas da Eletronuclear.

Entre os convidados, temos Adauto Seixas, presidente das Indústrias Nucleares do Brasil (INB); Carlos Matias, almirante e diretor técnico da AMAZUL; e Marcelo Gonçalves da Silva, da assessoria de ciência e tecnologia da Eletronuclear. Agradecemos a presença e contribuição destes ilustres participantes, assim como a dos nossos colegas Aurélio Murta, Marcelo Perrupato e Mark Juzwiak, membros do conselho do iBesc. Estendemos nossas boas-vindas a todos os presentes e expressamos nossa gratidão aos patrocinadores, cujo apoio é fundamental para a realização de trabalhos significativos na área de eficiência energética, transporte de carga e passageiros, e para a infraestrutura nacional de transporte e geração de energia.

Jussara Ribeiro

Presidente do Instituto Besc


PALESTRAS

GUSTAVO MARDEGAN

Relações Públicas do Setor de Comunicação da Eletronuclear

Mediador

Ao compreendermos a relevância da energia nuclear e seus múltiplos benefícios, destacam-se aspectos como os ambientais, a eficiência e a segurança das nossas usinas nucleares.

Atualmente, é evidente a necessidade de não dependermos exclusivamente de uma única fonte de energia, considerando as limitações das hidrelétricas e a interdependência das fontes renováveis, fatores que podem comprometer a segurança energética no Brasil. Portanto, torna-se crucial discutir a diversificação da matriz energética. Neste contexto, enfatizamos a importância da energia nuclear para o Sistema Interligado Nacional. Trata-se de uma fonte de energia estável, capaz de manter sua produção integralmente, independentemente das condições climáticas, e sem emitir gases causadores do efeito estufa.

ADAUTO SEIXAS

Presidente das Indústrias Nucleares do Brasil

Ao receber o convite para este evento, fiz questão de ajustar minha agenda para poder compartilhar com vocês um pouco sobre a INB. Para aqueles que não me conhecem, sou um funcionário de carreira com 42 anos de dedicação à empresa. Durante esse período, atuei não apenas em assessoria, mas também em coordenação, passando por diversos cargos de gestão até alcançar a posição de presidente. Sinto-me honrado em ser um funcionário de carreira da INB e em contribuir para o setor nuclear. Nesta gestão, o Ministério de Minas e Energia, pelo menos na INB, priorizou a liderança de funcionários de carreira. Com três meses de trabalho remoto, sempre enfatizo que, apesar de ser um engenheiro com afinidade pelo chão de fábrica e produção, nada substitui a importância dos funcionários.

Para aqueles que não estão familiarizados com as Indústrias Nucleares do Brasil, anteriormente conhecida como Nuclebrás, muitos ainda se referem a ela por esse nome. Confesso que tenho orgulho de ter iniciado minha carreira na Nuclebrás. A INB atua na cadeia produtiva do urânio, conhecida como ciclo do combustível nuclear, que inclui mineração, beneficiamento, enriquecimento isotópico de urânio, fabricação de pó, pastilhas e componentes metálicos, além da montagem dos elementos combustíveis que abastecem as usinas de Angra 1 e Angra 2. Atualmente, estamos atendendo Angra 1 e Angra 2 com mineração na Bahia, onde nossa unidade foi projetada para processar 400 toneladas por ano. Estamos buscando parcerias e, nesta semana, apresentaremos um modelo de negócio, pois o portfólio da INB é robusto e queremos colocá-lo em prática.

Para contextualizar, até recentemente, a energia nuclear respondia por 2,1% da geração total de energia elétrica do país, mas hoje esse número é diferente. Percebemos que outras fontes, como a eólica, estão avançando enquanto permanecemos estagnados. Consequentemente, nossa produção diminuiu em relação ao total do país. Mas por que o Brasil deve investir em energia nuclear? Atualmente, cerca de 60 a 65% da nossa geração elétrica provém de hidrelétricas. No entanto, sabemos que as hidrelétricas, especialmente nos grandes centros, têm suas limitações. Hoje, nossas fontes hídricas estão cada vez mais distantes.

Para gerar energia e transmiti-la até o consumidor final, enfrentamos custos elevados de transmissão, um fato bem conhecido por aqueles que atuam no setor. Neste cenário, as usinas nucleares emergem como aliadas fundamentais para o futuro, assegurando estabilidade ao sistema elétrico brasileiro. Seus reatores são considerados geradores de base, com a vantagem adicional de não serem impactados por variações climáticas. São vistos como uma fonte de energia segura e constante ao longo do ano, sem emissão de gases de efeito estufa. Internacionalmente, as usinas nucleares são reconhecidas como essenciais para alcançar a meta global de descarbonização do planeta. Além disso, podem ser construídas próximas aos centros urbanos, como é o caso de Angra 1 e Angra 2, localizadas na Rio-Santos, ocupando uma área relativamente pequena.

Comparando com as hidrelétricas, observa-se que estas requerem a inundação de grandes áreas. É importante destacar que o Brasil, junto com China e Rússia, é um dos três países que possuem urânio e dominam completamente a tecnologia do ciclo do combustível nuclear. Estamos entre os dez países com maiores reservas minerais de urânio, liderando na América Latina, apesar de explorarmos apenas uma fração do nosso potencial de urânio. Na Bahia, identificamos cerca de 27 unidades e atualmente operamos duas jazidas. Buscamos parceiros para explorar mais eficientemente esses recursos, pois para a INB, o urânio subterrâneo não tem o mesmo valor que quando extraído.

Como fornecedores exclusivos da Eletronuclear, estamos em processo de ampliar a produção de urânio. O licenciamento no setor nuclear, especialmente quando envolve órgãos reguladores, é notoriamente desafiador. Atualmente, estamos em processo de licenciamento junto ao Ibama, em parceria com a empresa privada Galvani. Esta colaboração é vista com otimismo, e se tudo ocorrer conforme planejado, esperamos produzir aproximadamente 2.300 toneladas de urânio em seu estado natural até os anos de 2027 ou 2028.

Com a produção atual, estamos aptos a atender não apenas Angra 1, Angra 2 e Angra 3, mas também futuras usinas nucleares que venham a ser construídas. Quando Angra 1, Angra 2 e Angra 3 estiverem operacionais, teremos material suficiente para atender a demanda interna e, inclusive, para exportação. O projeto de Santa Quitéria, para que tenham uma ideia da magnitude, está estimado em cerca de 2,3 bilhões de reais. Quando entrar em operação, gerará aproximadamente 2.800 empregos diretos e indiretos, não só na área de urânio, mas também de fosfato. Além disso, a produção de concentrado de urânio eliminará a dependência nacional de importação desse material.

Temos também a fábrica de enriquecimento instalada em Resende. Atualmente operamos com 10 cascatas de ultracentrífuga. É importante ressaltar que essa tecnologia de enriquecimento é totalmente nacional. A conclusão de Angra 3 representa uma estratégia fundamental para o programa nuclear brasileiro e é vital para aumentar a segurança energética do país. As usinas de Angra 1 e Angra 2 já atendem cerca de 40% da demanda do estado do Rio de Janeiro. Com a entrada de Angra 3, pela qual todos torcemos e pela qual sou um dos maiores incentivadores, esperamos atingir cerca de 70% da demanda.

Gostaria de enfatizar que as portas da INB estão abertas para visitação. A INB pertence ao povo e será uma das principais impulsionadoras para a conclusão de Angra 3. Agradeço a todos pela atenção e participação.

ALMIRANTE MATIAS

Diretor Técnico da AMAZUL

Abordarei a empresa AMAZUL e sua contribuição para a gestão do conhecimento nuclear brasileiro, um aspecto que permeia todos os setores dos programas nucleares do país.

A AMAZUL é uma empresa pública, criada há 10 anos, cujo objetivo principal é promover, desenvolver, absorver, transferir e manter as tecnologias necessárias ao Programa Nuclear Brasileiro. Mais adiante, apresentarei alguns de seus projetos, bem como do Programa Nuclear da Marinha. A empresa também é responsável pela capacitação de pessoal para esses projetos, além do acompanhamento e fiscalização da construção de submarinos no âmbito do Programa de Desenvolvimento de Submarinos. Além disso, a AMAZUL gerencia e coopera com outros projetos da Marinha, visando o desenvolvimento da base industrial de defesa, especialmente no setor naval.

A AMAZUL, constituída como sociedade anônima de direito privado, possui patrimônio próprio e é totalmente dependente do Tesouro Nacional. Está vinculada ao Ministério da Defesa através do Comando da Marinha, com sede em São Paulo. Originou-se de uma cisão da Engeprom, que também patrocina este evento. Seu conselho de administração é composto por sete membros, incluindo representantes da Marinha, dos Ministérios da Defesa, da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, além de um representante eleito dos empregados da empresa e o diretor-presidente, atualmente o Almirante Nilo.

Como uma Instituição de Ciência e Tecnologia (ICT), a AMAZUL possui um Núcleo de Inovação Tecnológica, facilitando o acesso a recursos para desenvolvimento científico e tecnológico, um dos principais focos da empresa. Atualmente, contamos com aproximadamente 1.850 empregados regidos pela CLT, com um limite legal de 1.998. Todos os empregados são admitidos por concurso público. A AMAZUL é também uma empresa estratégica de defesa, homologada pelo Ministério da Defesa, o que nos confere certas isenções e facilidades no desenvolvimento de nossas atividades. Como empresa estratégica de defesa, possuímos dois importantes produtos estratégicos de defesa, também credenciados pelo Ministério da Defesa.

O primeiro projeto estratégico de defesa da AMAZUL é a concepção do primeiro submarino brasileiro convencionalmente armado com propulsão nuclear. Este submarino representa o principal produto da empresa. Além disso, desenvolvemos uma metodologia de gestão do conhecimento, alinhada ao objeto social da empresa, que é desenvolver, disseminar e manter o conhecimento. Essa metodologia, recentemente premiada, será detalhada mais adiante, pois é relevante não apenas para o setor nuclear, mas também para outros setores industriais e de saúde.

A AMAZUL está envolvida nos três principais programas nucleares do Brasil. O primeiro é o Programa Nuclear da Marinha (PNM), que se divide em dois projetos principais. O primeiro é o desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear, realizado pela Marinha e por alguns empregados da empresa. O segundo projeto é a construção do Labigênio, o protótipo do reator nuclear que fornecerá propulsão ao nosso submarino convencionalmente armado com propulsão nuclear. Este reator, uma planta nuclear embarcada em escala, está sendo construído em Iperó e já se encontra em estágio avançado de montagem.

Outro grande programa é o Programa Nuclear Brasileiro, que abrange diversas atividades. A AMAZUL está presente nesses projetos, incluindo o Reator Multipropósito Brasileiro, um projeto da CNEN, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O projeto detalhado, entregue em dezembro de 2021, foi desenvolvido pela empresa argentina INVAP em parceria com a AMAZUL e com a participação de membros da CNEN. Atualmente, estamos contratados pela CNEN para desenvolver algumas fases da construção do reator, que será iniciada no próximo ano com recursos já disponibilizados.

Participamos também do centro de radiofarmácia do IPEN, responsável pela produção de radiofármacos distribuídos para uma rede de mais de 400 hospitais e clínicas no Brasil. Esses radiofármacos são produzidos a partir de radioisótopos importados. Na área de geração de energia, que é o foco principal da nossa discussão hoje, a AMAZUL também tem uma participação significativa.

A AMAZUL está engajada no projeto de extensão da vida útil de Angra 1, um projeto que já está em andamento há três anos e será concluído no próximo ano. Isso permitirá que a usina Angra 1, que no ano que vem completa 40 anos de operação, possa funcionar por mais 20 anos. Esse é um ganho significativo e um projeto no qual a AMAZUL colabora com a Eletronuclear. Em relação a Angra 2, estamos em negociações para o projeto de gestão do envelhecimento da usina, que ainda tem um considerável tempo de utilização, mas requer algumas ações durante esse período. Esse é outro projeto em negociação com a Eletronuclear.

Além disso, em colaboração com a INB, recentemente assinamos um contrato para desenvolver o projeto básico da Usina Comercial de Enriquecimento de Urânio. Como mencionado pelo senhor Adauto, presidente da INB, atualmente existem 10 cascatas na INB, e no futuro, serão 30. A AMAZUL está desenvolvendo o projeto básico para as 20 cascatas adicionais, das quais já entregamos duas etapas. Espera-se que até o próximo ano o projeto seja concluído, permitindo que a INB realize a licitação e contrate empresas para construir essa usina, que nos tornará autossuficientes na produção de urânio enriquecido.

Participamos também do projeto do CDTM em Belo Horizonte, que marca o início do planejamento para a construção de um repositório de rejeitos de baixa e média intensidade. Além disso, estamos explorando parcerias com empresas do agronegócio e com o Ministério da Agricultura e Pecuária, visando projetar futuros centros de radiação para alimentos e outras aplicações.

Outro grande programa em que estamos envolvidos é o Programa de Desenvolvimento de Submarinos, um projeto ambicioso com 15 anos de duração. Já construímos boa parte do estaleiro e da base naval que dará suporte a esses submarinos. Estamos em uma fase avançada do projeto detalhado do submarino com propulsão nuclear.

Outro projeto significativo da AMAZUL é a planta nuclear embarcada, que consiste no reator instalado dentro do submarino, proporcionando propulsão independente do ar. Esses são os três programas principais da empresa. A AMAZUL também tem um papel ativo em várias fases do ciclo do combustível nuclear, exceto na prospecção, mineração e beneficiamento de urânio, que são responsabilidades da INB. Participamos do processo de conversão do yellowcake em hexafluoreto de urânio, que é o gás utilizado nas ultracentrífugas para o enriquecimento isotópico. Após o enriquecimento, o gás é reconvertido em dióxido de urânio, e então são produzidas as pastilhas de dióxido de urânio que compõem os elementos combustíveis.

Esses elementos combustíveis são utilizados tanto no nosso submarino e no Labigênio, que é o protótipo, quanto pela INB na produção de elementos combustíveis para as usinas nucleares. No final do processo, os rejeitos do combustível utilizado são armazenados em centros específicos, nos quais também temos participação. Isso demonstra o envolvimento dos empregados da AMAZUL em praticamente todos os processos do ciclo do combustível nuclear.

Devido ao desenvolvimento dessa tecnologia, surge a necessidade de reter, manter e difundir esse conhecimento. Por isso, desenvolvemos na empresa uma metodologia de gestão do conhecimento, que será apresentada de forma resumida. Consideramos que o maior patrimônio da empresa são os nossos empregados. Não possuímos grandes máquinas ou equipamentos, mas o conhecimento adquirido pelos nossos profissionais ao longo de suas carreiras é essencial e deve ser preservado para projetos futuros.

Essa metodologia de gestão do conhecimento se beneficiou da experiência da Marinha na gestão do conhecimento durante a construção dos submarinos e o desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear. Ela também atende a diversos critérios da Agência Internacional de Energia Atômica e recebeu contribuições do IPEA em seus diagnósticos e certificações. Desenvolvemos na empresa ferramentas que podem ser customizadas para diversas atividades, demonstrando a flexibilidade dessa tecnologia.

A metodologia de gestão do conhecimento adotada pela AMAZUL está alinhada com as práticas de mercado e compreende seis etapas fundamentais. A primeira etapa envolve a preparação de um ambiente favorável dentro da empresa ou do setor específico que passará pelo processo. Esta fase foca na sensibilização e no diagnóstico do nível de maturidade do setor em questão. A segunda etapa consiste na identificação do negócio, analisando toda a cadeia de valor, os processos corporativos e o potencial para mapear o conhecimento e as pessoas envolvidas.

Na terceira fase, ocorre o alinhamento estratégico da gestão do conhecimento, identificando seu papel dentro da estratégia organizacional da empresa e garantindo que esteja diretamente relacionado aos objetivos de mais alto nível da empresa. A quarta etapa envolve a avaliação do risco de perda de conhecimento. Neste momento, realiza-se uma análise de risco e mapeamento do conhecimento, identificando os elementos da gestão do conhecimento que precisam ser preservados e aqueles cuja perda poderia comprometer o sucesso dos empreendimentos da empresa.

Após o reconhecimento desses riscos, são elaborados planos de ação e de sucessão para mitigar os riscos identificados. Estes planos são implementados para assegurar que o conhecimento essencial não se perca. Finalmente, a sexta etapa consiste na criação de uma estrutura responsável pela governança da gestão do conhecimento dentro do setor e da empresa.

Essa metodologia, além de ser homologada como produto de defesa pelo Ministério da Defesa, já foi reconhecida e premiada em diversas ocasiões, refletindo sua eficácia e relevância.

Os reconhecimentos recebidos pela metodologia de gestão do conhecimento da AMAZUL incluem prêmios de prestígio, como o do Instituto Learning e Performance Brasil, o Prêmio Brasil 5.0, e também o prêmio da Rede Governança Brasil. Esses prêmios atestam a eficácia e a aplicabilidade da metodologia em diversas áreas. Ela foi desenvolvida com o objetivo de preservar e manter o conhecimento adquirido pela Marinha do Brasil no âmbito do Programa Nuclear da Marinha e do Programa de Desenvolvimento de Submarinos.

Desde 2017, a metodologia tem sido implementada em várias áreas, começando pela usina de conversão do yellowcake em hexafluoreto de urânio e expandindo-se para outros setores. Ela foi aplicada em plantas industriais, áreas de projetos, assessoria, educação (como no Centro de Instrução e Adestramento Nuclear de Aramar), e até na saúde, como no Departamento de Saúde de Aramar. Em 2020, a IMBRA, uma empresa que produz materiais de blindagem para segurança e defesa, utilizou nossa metodologia para resolver um problema de perda de conhecimento, o que foi crucial para a continuidade de seus negócios.

A gestão do conhecimento é de suma importância para o setor nuclear. O Almirante Álvaro Alberto, uma figura proeminente no meio científico e tecnológico, e fundador do CNPq na década de 50, foi o primeiro representante do Brasil na criação da Agência Internacional de Energia Atômica. O primeiro submarino brasileiro convencionalmente armado com propulsão nuclear será nomeado em sua homenagem, Álvaro Alberto, refletindo a importância do conhecimento no avanço da tecnologia nuclear.

Este conhecimento permeia todos os nossos programas e projetos e está disponível para todos os nossos parceiros, alguns dos quais foram mencionados anteriormente.

MARCELO GOMES DA SILVA

Assessor de Ciência, Tecnologia e Expansão da Geração – Eletronuclear.

Farei uma breve apresentação, alinhando-me aos temas frequentemente debatidos pelo IBesc, para discutir os desafios da expansão da oferta de geração de energia no mundo e no Brasil. Estamos em um momento crucial de definição da matriz elétrica, tanto global quanto nacionalmente, e pretendo abordar alguns dos desafios que enfrentaremos nos próximos anos.

Para começar, é uma honra receber a delegação do IBesc em Angra. Como mencionado anteriormente pelo Adauto, dispomos de uma área relativamente pequena de 1,1 quilômetro quadrado, onde se localiza um parque de geração de 3,5 gigawatts, incluindo Angra 3. Atualmente, temos Angra 1, uma usina de 645 megawatts adquirida na década de 70 e início dos anos 80, e Angra 2, fruto do acordo Brasil-Alemanha, que começou a operar em 2001. Estamos finalizando a construção de Angra 3, uma usina gêmea de Angra 2.

Um dos atributos marcantes da energia nuclear é sua alta eficiência em termos de uso do espaço. Em uma área compacta, conseguimos gerar uma quantidade significativa de energia de forma constante, com um fator de capacidade elevado. Isso significa geração ininterrupta, 24 horas por dia, 365 dias por ano, sem intermitências, próxima aos grandes centros de carga como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. A densidade energética proporcionada pela energia nuclear é muito superior à de outras fontes, como a hidráulica, que requer a inundação de grandes áreas, ou a energia eólica e solar, que ocupam extensões consideráveis de terra com menor rendimento energético por metro quadrado. Além disso, a energia nuclear se destaca pela baixíssima emissão de gases de efeito estufa.

Recentemente, o noticiário de novembro e início de dezembro destacou uma situação peculiar no setor energético brasileiro. Apesar dos reservatórios estarem cheios, uma condição bem mais favorável do que a vivenciada em 2021, houve a necessidade de despachar energia térmica no Brasil. Esse cenário pode parecer contraditório, mas reflete a necessidade de atender à demanda de energia em momentos de pico e, ao mesmo tempo, economizar água nos reservatórios diante da incerteza sobre as condições hidrológicas futuras.

Consequentemente, superamos o recorde de demanda de carga, e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já previa o uso de térmicas até dezembro, com possibilidade de extensão até janeiro. Em resumo, enfrentamos uma onda de calor intensa que gerou um novo recorde de demanda no país. Mesmo com energia armazenada, recorremos ao despacho de térmicas, uma situação que pode se estender até o início de 2024. Esse cenário implica em um aumento nos preços da energia e na ativação de bandeiras tarifárias. Vale ressaltar a alta volatilidade nos preços da energia no mercado livre, que sofreu uma elevação de R$ 69,00 por MWh para R$ 415,00 por MWh.

A decisão do operador do sistema de acionar as usinas térmicas foi uma medida estratégica para manter os reservatórios cheios, visando uma operação econômica do sistema elétrico brasileiro em caso de baixa pluviosidade. É importante destacar que, como consumidores residenciais e industriais, vivenciamos um sistema elétrico constantemente sob estresse. As bandeiras tarifárias e o aumento no preço da energia devido ao despacho de térmicas têm sido mais frequentes do que exceções.

Um estudo realizado desde 2015 até junho de 2023, abrangendo um total de 101 meses, revelou que em 41 desses meses houve bandeira vermelha e em 15 meses, bandeira amarela. Isso significa que por mais de 55% do tempo, houve alguma sobretaxa na energia devido ao despacho de térmicas para atender a demandas específicas ou problemas de estrangulamento do sistema. Isso evidencia que o despacho térmico no Brasil ainda é essencial e tende a aumentar.

Além disso, é crucial reconhecer que todas as formas de geração de energia impactam as emissões de gases de efeito estufa. Nenhuma fonte está completamente isenta dessas emissões. Os principais responsáveis são bem conhecidos, como carvão, óleo e gás natural. No entanto, fontes frequentemente citadas como ambientalmente neutras, como solar fotovoltaica, biomassa e até a nuclear, na fase de mineração do combustível e construção, também têm impactos. O mesmo se aplica às usinas eólicas. Portanto, não existe uma fonte de energia totalmente livre de emissões de gases de efeito estufa.

Atualmente, existe uma pressão crescente sobre a demanda de energia em todo o mundo, impulsionada por usos de energia que não existiam há duas décadas. Um exemplo claro é o celular que carregamos no bolso. O processamento de dados relacionado ao uso de celulares, como fotos armazenadas na nuvem, exige um consumo significativo de energia. Em 2020, o consumo de datacenters em todo o mundo superou o de muitos países, como Nigéria, Argentina, Egito e África do Sul. Esta é uma indústria que surgiu recentemente e está crescendo exponencialmente, com um consumo voraz de energia.

Além disso, as criptomoedas e outras tecnologias alternativas também demandam uma quantidade considerável de energia. Isso é importante para contextualizar que, no século XXI, a demanda por eletricidade continuará aumentando. Nosso desafio é fornecer energia de maneira sustentável, minimizando a liberação de gases de efeito estufa.

Considerando os datacenters, como os do Google e da Amazon utilizados no Brasil, eles geralmente são alimentados por duas redes separadas para redundância. A base energética desses datacenters inclui carvão, óleo e, em alguns casos, energia nuclear. Esses grandes consumidores de energia estão localizados em lugares como a Carolina do Sul e a Virgínia, nos Estados Unidos. Interessante notar que, na Carolina do Sul, um carro elétrico pode ser abastecido com energia proveniente de carvão e óleo, dependendo da rede. Isso contradiz a percepção de que carros elétricos são completamente isentos de impactos ambientais.

Toda essa mudança na demanda de energia, incluindo o uso de celulares, transferência de dados, datacenters, vídeo e áudio on demand, armazenamento em nuvem, está ocorrendo rapidamente. Além disso, a geopolítica da energia está se tornando um fator cada vez mais influente neste novo século.

A crise na Ucrânia, com a subsequente invasão do país tiveram um impacto profundo na matriz energética europeia, elevando drasticamente os preços da eletricidade e do gás natural. Essa situação resultou em severas consequências para a indústria, incluindo o fechamento ou a redução drástica da produção em várias siderúrgicas e na indústria do papel na Europa, devido ao aumento dos custos de energia. Este cenário destaca a importância da segurança energética, que se tornou um tópico central neste encontro. A segurança energética enfatiza a necessidade de ter fontes de energia dentro do próprio país ou de nações aliadas de longa data.

A crise energética na Europa está provocando um renovado interesse pela energia nuclear. Vários países anunciaram a expansão de seus programas nucleares, com a construção de novas usinas, como é o caso do Reino Unido, Finlândia, Hungria e França. Recentemente, houve até relatos de movimentos na Alemanha em favor do retorno à energia nuclear, algo que seria impensável até pouco tempo atrás. Isso se deve à demanda da população por mudanças na política energética, buscando maior responsabilidade social e ambiental no planejamento energético, o que inclui um afastamento dos combustíveis fósseis, como carvão, óleo e, em certa medida, gás natural.

Não é viável atender à crescente demanda mundial de energia apenas com fontes eólicas e solares. É necessário ter uma fonte de energia despachável e confiável, disponível 24 horas por dia, e a energia nuclear oferece essa opção. Além das preocupações com o impacto da geração de energia no clima, também devemos considerar o impacto das mudanças climáticas na própria geração de energia.

Recentes eventos extremos no Brasil, como tempestades no Sul que afetaram os “linhões de Itaipu” e a seca na Amazônia que levou ao desligamento da usina de Santo Antônio, ilustram o impacto das mudanças climáticas na capacidade de geração de eletricidade. Essas alterações climáticas estruturais trazem desafios significativos para a manutenção da segurança energética.

Neste contexto, a energia nuclear surge como uma resposta viável. A Agência Internacional de Energia, em seu cenário de neutralidade de carbono, prevê um aumento expressivo na geração nuclear mundial, com a entrada de novas usinas. A energia nuclear é vista como uma das únicas formas de atender à crescente demanda energética sem comprometer o meio ambiente e aumentar as emissões de gases de efeito estufa.

Além das mudanças climáticas, enfrentamos o desafio de atender ao aumento da demanda por energia, impulsionado por fatores como computação em nuvem, eletrificação do transporte e a demanda social por fontes de energia limpas. Surge também a economia do hidrogênio, que é mais um vetor para o transporte de energia do que uma fonte primária. A produção de hidrogênio geralmente envolve o uso de eletricidade para eletrólise, não sendo uma fonte de energia primária extraída diretamente da natureza.

Portanto, diante desses desafios, a segurança energética se torna um tema central, exigindo soluções que equilibrem a necessidade de energia com a responsabilidade ambiental e a adaptação às mudanças climáticas.

A proposta de expansão da energia nuclear no Brasil, alinhada com o Plano Decenal de Expansão da EPE, uma empresa do Ministério das Minas e Energia, contempla a adição de mais 1 mil megawatts nucleares como energia indicativa. A longo prazo, o plano prevê a construção de mais usinas nucleares, com alguns cenários projetando até 10 gigawatts de nova capacidade nuclear até 2050. Para viabilizar essa expansão, a Eletronuclear já está trabalhando em um roteiro de ações necessárias para o desenvolvimento futuro do setor nuclear no país. Em parceria com a Universidade Federal Fluminense, estamos prospectando locais em todo o território nacional para a construção de novas usinas.

Estamos considerando usinas de grande porte, com reatores de 1.000 a 1.200 megawatts, que são as tecnologias atualmente disponíveis, e até maiores. Paralelamente, estamos atentos à tecnologia emergente de pequenos reatores modulares. Imaginamos sítios que possam abrigar até seis usinas, resultando em uma capacidade instalada de 7.200 MW e uma geração bruta anual de 55 TWh. Isso equivale à produção anual de Furnas e CHESF em um único terreno, destacando a alta densidade energética da energia nuclear.

Enfrentamos alguns desafios, como o licenciamento de locais e a criação de um marco legal que permita a participação de agentes privados no setor. Isso incluiria um marco regulatório que abrisse espaço para investidores privados, vislumbrando a expansão nuclear no Brasil. Estamos acompanhando de perto os pequenos reatores modulares, que prometem tempos de construção mais curtos, custos reduzidos e menores riscos. A evolução dessa tecnologia é um ponto de atenção crucial para o futuro da energia nuclear no país.

DEBATE TÉCNICO E PERGUNTAS DO PÚBLICO

  1. O que é necessário para que sejam construídas novas usinas nucleares no Brasil?

Primeiramente, destaca-se a importância de concluir a construção de Angra 3. Este é o desafio principal, como puderam observar na visita à obra. Finalizar este empreendimento é crucial para demonstrar a relevância da energia nuclear no suprimento energético brasileiro. Não basta apenas discutir; é necessário concretizar a operação da usina, garantindo a segurança energética que um projeto dessa magnitude oferece. Estamos empenhados e otimistas quanto à conclusão dessa obra.

Olhando para um horizonte um pouco mais distante, é essencial alinhar as políticas energéticas do Brasil, reconhecendo o papel da energia nuclear nesse contexto. Além disso, uma modernização no quadro regulatório se faz necessária. Isso incluiria a possibilidade de, com o desenvolvimento da indústria de pequenos reatores, permitir a participação de agentes privados trazendo novas tecnologias e contratando a Eletronuclear como operadora, mantendo assim a presença e o controle do Estado sobre o ciclo nuclear. Também é importante ajustar o processo de licenciamento de locais para novas usinas. Estamos em diálogo com diversos interlocutores, buscando criar um ambiente mais propício para o desenvolvimento do setor nuclear no Brasil.

  • Usinas nucleares são caras? Existe uma solução para isso? Existe muita rejeição com o assunto da energia nuclear? O que esperar disso?

O principal desafio da energia nuclear reside no binômio tempo de construção e capital investido. Investimentos de bilhões de dólares são realizados ao longo de um período extenso de construção, que pode variar entre cinco a sete anos. Se ocorrem imprevistos que prolongam esse período, os juros sobre o capital investido se acumulam, elevando o custo da usina e, consequentemente, o preço da energia gerada. Portanto, para que a usina nuclear seja economicamente competitiva em relação a outras fontes de energia, é crucial que o projeto seja executado de forma eficiente, cumprindo prazos, mantendo a qualidade e respeitando o orçamento previsto.

Quanto à aceitação pública da energia nuclear, há um histórico de percepção negativa, principalmente porque o mundo conheceu essa forma de energia inicialmente através da bomba atômica. Durante a Guerra Fria, era comum ver crianças em escolas treinando para ataques nucleares, o que reforçou uma imagem negativa da energia nuclear no imaginário popular. No entanto, observa-se uma mudança de perspectiva. Com o crescente reconhecimento dos problemas ambientais e das mudanças climáticas, até mesmo ambientalistas começam a ver a energia nuclear como uma solução importante.

No Brasil, pesquisas indicam que a aceitação pública da energia nuclear é alta nas regiões próximas às usinas. Em locais mais distantes, onde os benefícios não são tão evidentes, a aceitação cai para cerca de 50%, mas essa percepção está mudando rapidamente.

  • A metodologia de gestão do conhecimento da AMAZUL pode ser aplicada a qualquer setor?

A metodologia de gestão do conhecimento é versátil e pode ser aplicada a qualquer setor ou organização, pois se concentra nos conhecimentos relevantes para o negócio. Toda empresa ou organização possui conhecimentos essenciais para a realização de seus objetivos estratégicos. Seja em uma empresa de logística ou em qualquer outro ramo, há sempre conhecimentos cruciais para a operação eficaz da empresa. A metodologia de gestão do conhecimento atua na administração desses conhecimentos, buscando otimizar seu uso, ampliá-los e assegurar sua continuidade, evitando que a empresa perca informações valiosas.

No contexto do setor nuclear, estamos lidando com conhecimentos sensíveis e raros. Portanto, a gestão eficaz do conhecimento é de suma importância. Assim, a metodologia pode ser adaptada e aplicada em qualquer contexto empresarial, independentemente do setor de atuação.

  • Como a metodologia de gestão de conhecimento AMAZUL pode impulsionar os negócios das organizações e empresas?

A gestão do conhecimento deve estar sempre alinhada aos objetivos estratégicos do negócio. É comum em fóruns de gestão do conhecimento ouvir que não se deve gerir o conhecimento apenas por fazê-lo ou por achar interessante; é necessário ter um propósito claro. Esse propósito é o alinhamento estratégico com os objetivos da empresa. A gestão do conhecimento foca nos conhecimentos necessários e relevantes para alcançar esses objetivos estratégicos, garantindo a continuidade e a eficácia do negócio ao longo do tempo.

Além disso, a metodologia de gestão do conhecimento cria uma base para uma cultura de colaboração e aprendizado contínuo, abrindo espaço para a inovação. Gestão do conhecimento e inovação são complementares, atuando como duas faces da mesma moeda. A metodologia prepara o terreno para o compartilhamento de conhecimento, enquanto a inovação utiliza esse conhecimento para desenvolver novas soluções e produtos. Essa interação entre gestão do conhecimento e inovação é extremamente benéfica para qualquer empresa, permitindo a inovação de processos e produtos.

Para ilustrar a importância da gestão do conhecimento para a perenidade de uma empresa, consideremos o exemplo de uma empresa que dependia do conhecimento de dois empregados essenciais para o desenvolvimento de seus produtos. Quando esses empregados se demitiram e abriram uma empresa concorrente, a empresa original enfrentou um período desafiador. Contudo, por meio da gestão do conhecimento, conseguiu recuperar e preservar esse conhecimento essencial com outros funcionários, mantendo-se no mercado. Esse exemplo destaca o risco significativo de perder o negócio por falta de uma metodologia eficaz de gestão e preservação do conhecimento.

  • Quantos por cento dos elementos combustíveis de Angra 1 e Angra 2 são enriquecidos pela INB?

Para fornecer informações adicionais, a potência instalada de Angra 1 é de 645 megawatts. Se considerarmos apenas Angra 1, a usina atenderia a 70% da demanda. Já Angra 2 possui uma potência instalada de 1.350 megawatts. Ao atender tanto Angra 1 quanto Angra 2, a capacidade de fornecimento reduz para 20%, devido à capacidade instalada de Angra 2 ser praticamente o dobro da de Angra 1.

Com a execução do projeto em nossa unidade de Resende, podemos assegurar que alcançaremos a autossuficiência necessária para suprir as demandas de Angra 1, Angra 2 e, esperamos, também de Angra 3.

  • As constantes mudanças do combustível da moda, em especial renováveis, interferem de alguma forma na formação de uma política energética séria voltada para a segurança energética real?

Não se deve considerar as fontes de geração de energia como “modismos”, mas sim como componentes de um sistema mais amplo. As diferentes fontes de energia podem ser comparadas a ingredientes em um prato, que um chef combina para criar uma refeição equilibrada. Da mesma forma, um sistema elétrico eficiente e seguro requer a combinação de várias fontes de energia, cada uma com seus atributos únicos. Não é possível depender exclusivamente de uma única fonte, seja ela nuclear, eólica, solar ou hidrelétrica.

Uma política energética séria deve considerar os diferentes atributos de todas as fontes e entender como cada uma pode contribuir para a matriz elétrica como um todo. Não existe uma única fonte que resolva todos os problemas, nem uma vilã absoluta. O desafio é combinar essas fontes de forma eficiente, algo que profissionais competentes no Brasil estão constantemente avaliando, considerando a evolução tecnológica e as tecnologias emergentes, como o hidrogênio.

Historicamente, o Brasil dependeu fortemente da energia hidrelétrica. No entanto, com o esgotamento dos recursos hídricos nas regiões consumidoras e a necessidade de buscar fontes mais distantes, aumentando os custos de transmissão, tornou-se essencial diversificar as fontes de energia. Hoje, o Brasil conta com energia eólica, solar e nuclear, além da hidráulica. Se dependêssemos apenas da hidráulica, enfrentaríamos um colapso, especialmente em períodos de seca prolongada.

A segurança energética depende da diversificação das fontes de energia. Não se pode apostar tudo em um único tipo de fonte, pois isso pode tornar o sistema vulnerável em determinadas situações. Valorizar cada fonte de energia pelas suas características e eficiência em períodos específicos é crucial. Além disso, essa diversificação fomenta o desenvolvimento científico e tecnológico, levando a inovações que aumentam a eficiência do sistema elétrico. Portanto, é a combinação de todas essas fontes que proporcionará segurança energética e permitirá o desenvolvimento socioeconômico do país.

  • Ao longo da história, a geração de energia passou por diversas fases, incluindo o uso de lenha, óleo, hidrelétricas, e mais recentemente, energia solar e eólica. Paralelamente, houve um aumento nas preocupações ambientais, que precisam ser gerenciadas de maneira eficaz. Nesse contexto, surge a possibilidade de criar um esquema de gerenciamento que possa, tanto antes quanto depois da implementação de empreendimentos, controlar de forma mais eficiente a velocidade com que as demandas ambientais são atendidas. Este esquema de gerenciamento seria essencial para equilibrar o desenvolvimento energético com a preservação ambiental, garantindo que as necessidades energéticas sejam supridas de maneira sustentável e responsável?

Iniciando pela área nuclear, observamos que o licenciamento é um aspecto crucial. Atualmente, enfrentamos desafios significativos nesse processo, como demonstrado pela parceria em andamento no Ceará desde 2010. A dificuldade em obter licenças levou até mesmo a uma empresa parceira, a Galvani, a desistir do projeto. Além disso, é importante considerar o descomissionamento de unidades nucleares, um processo que pode ser extremamente custoso, como evidenciado pelo caso de uma unidade cujo descomissionamento está avaliado em 2,8 bilhões de reais. Portanto, é essencial que haja uma discussão aberta e “desarmada” sobre o que é melhor para o país, considerando a complexidade do setor nuclear e a necessidade de prever recursos para o descomissionamento.

Quanto à formulação de políticas energéticas e a influência da pauta ambiental, um exemplo pertinente é o de Belo Monte. O projeto original previa um grande reservatório, mas devido a questões ambientais, foi alterado para uma usina a fio d’água, resultando em desperdícios. Essas decisões refletem escolhas da sociedade, mediadas por seus representantes e órgãos de licenciamento. É fundamental que as decisões sejam bem informadas e baseadas em fatos, não em opiniões ou paixões.

Outro aspecto importante é o impacto dos empreendimentos em regiões carentes. As comunidades locais veem esses projetos como oportunidades de desenvolvimento, demandando infraestruturas como saneamento e escolas. Embora essas sejam aspirações legítimas, podem extrapolar o que o empreendedor pode fornecer e impactar o ambiente. Acordos prévios sobre essas demandas são essenciais para evitar surpresas que comprometam a viabilidade econômica do projeto.

Por fim, é crucial que os empreendimentos de infraestrutura, especialmente os que impactam o meio ambiente, tenham um planejamento detalhado de comunicação desde o início. Isso inclui transparência total sobre o processo, destacando os benefícios do empreendimento para a localidade, o país e a sociedade como um todo. No caso da energia nuclear, é importante comunicar os riscos associados, mas também as medidas de segurança implementadas, garantindo que o empreendimento não cause danos ao ambiente ou às pessoas.

  • Quando o gás hexafluoreto de urânio vai para fora do Brasil para ser enriquecido, qual é o país destino?

A escolha do fornecedor para aquisições no setor nuclear depende do processo de licitação. Embora a INB opere de forma independente, ainda estamos sujeitos às regras governamentais e realizamos licitações. Os fornecedores podem ser de diversos países, como Canadá, França ou Alemanha, e a decisão é baseada em fatores como preço e contribuição ao projeto.

Gostaria de abordar a questão da percepção pública sobre a energia nuclear. Com 42 anos de experiência na INB, frequentemente me deparo com dúvidas e preocupações do público, como a associação do urânio com o câncer. Se eu acreditasse que trabalhar com urânio causasse câncer, certamente não estaria mais na INB. O que falta é uma divulgação mais eficaz sobre os benefícios do urânio. Por exemplo, a tomografia e o raio-x utilizam urânio, mas muitas vezes, até mesmo profissionais do setor nuclear propagam informações equivocadas, o que leva o público desinformado a acreditar em mitos.

Em relação a Santa Quitéria, enfrentamos desafios com órgãos reguladores, mas é importante destacar os benefícios, como a geração de 2.800 a 3.000 empregos diretos e indiretos, trazendo recursos para a região. No entanto, frequentemente, a ênfase é dada apenas aos aspectos negativos, e aqueles que são contra a energia nuclear tendem a se unir. É crucial que o setor nuclear, incluindo a Eletronuclear, a INB e os órgãos reguladores, trabalhem juntos. Se unidos, seremos mais fortes.

É essencial começar a enfatizar os benefícios da energia nuclear. A falta de conhecimento gera medo e rejeição. À medida que as pessoas começarem a entender o que é uma usina nuclear e todos os seus processos, suas opiniões podem mudar, e quem sabe, o projeto nuclear ganhe novo impulso.

ENCERRAMENTO

Agradeço imensamente ao Gustavo por mediar este debate tão rico, necessário e esclarecedor. Aos nossos convidados que nos honraram com suas apresentações, meu sincero agradecimento. Também agradeço à nossa audiência que nos acompanha pelo canal do YouTube. Peço que se inscrevam no canal, curtam e ajudem a divulgar o conhecimento aqui gerado, pois agora a gestão desse conhecimento se dá através da divulgação.

Nossa visita hoje às usinas nucleares de Angra foi muito impactante. Ficamos impressionados com a luta para concluir Angra 3, uma obra que já poderia estar operacional, gerando energia, mas que está interrompida, correndo risco de deterioração e custando caro aos brasileiros. Enquanto isso, a China está construindo novas usinas nucleares. Isso é assustador e mostra a capacidade de realização deles, enquanto nós enfrentamos desafios para concretizar nossos projetos.

Hoje, tivemos o orgulho de ver o que o Brasil já alcançou. Nossa usina nuclear é uma joia preciosa, mas infelizmente desconhecida pela maioria dos brasileiros. A sociedade, em geral, carece de conhecimento sobre energia nuclear e os benefícios do urânio. Portanto, é essencial nos unirmos e fortalecermos para o bem do nosso país e de nossa gente. O cidadão brasileiro merece ter energia para o desenvolvimento e prosperidade do país.

Vamos nos unir em favor da diversificação das fontes energéticas. Assim como na construção civil utilizamos diferentes materiais, na energia precisamos de diversas fontes. A energia nuclear tem muitas vantagens e se destaca entre outras fontes. Com recursos naturais como o urânio, devemos aproveitar ao máximo o que temos. Conclamo os dirigentes do país a assumirem a responsabilidade de fazer o que é necessário para o bem da sociedade.

Agradeço novamente a todos que nos acompanharam e aos nossos patrocinadores por tornarem este seminário possível.

Boa noite a todos.

Jussara Ribeiro

Presidente do Instituto Besc